Por
Aline Sanches*, Lígia Murassaki* e
Nicoli Guerra*
Na obra
O mal-estar na civilização (1930), Freud aborda o tema da felicidade,
afirmando que se trata de algo inerente ao desejo humano, ou seja, todos os
homens buscam ser felizes. Paradoxalmente, nossa própria constituição restringe
nossas possibilidades de felicidade e “o sofrer nos ameaça a partir de três
lados”: do próprio corpo, com suas dores e medos; do mundo externo; e das
relações com os outros seres humanos (Freud, 1930, p.31). Desse modo, a busca
pela felicidade se traduziria mais pela evitação do sofrimento do que pela
vivência de fortes prazeres. Ela dependeria de uma certa “arte de viver”, cujas
diversas receitas podem ser encontradas nos registros deixados por inúmeros
filósofos e sábios ao longo de nossa história.
Ora, se
a felicidade pode ser considerada uma meta natural do ser humano, em nossa
cultura ela adquire uma faceta singular, em que deixa de ser uma busca para se
tornar uma imposição. Vivemos em uma
sociedade que prega o prazer imediato e ininterrupto por meio do consumo.
Vivemos em uma cultura da analgesia, em que não basta minimizar o sofrimento,
mas este deve ser abolido.
Inseridos
nesse contexto, em que o “ser feliz” tornou-se uma obrigação, os sujeitos não
mais encaram a felicidade como uma possibilidade, como resultado do cultivo de
certos modos de viver, e sim como um dever a ser cumprido. Franco (2009) afirma
que “Essa postura implica uma mudança radical em nossas estruturas psíquicas: o
que antes era considerado de pertinência do Id (a busca do prazer) passou a ser
de pertinência ao Superego”. A obrigatoriedade de ser feliz, atrelada ao
rigoroso controle do Superego frente aos moldes de uma sociedade de consumo, aparece
então intimamente ligada ao adoecimento psíquico dos indivíduos e,
ironicamente, leva ao encontro da infelicidade que tanto se quer fugir.
Diante
de tantas imposições feitas pela sociedade capitalista para se alcançar uma
“norma” do que é ser feliz, os indivíduos passam a perseguir um ideal de
felicidade – o que se comprova pelo sucesso dos livros de autoajuda – sem se
dar conta do quanto este ideal é incompatível com a vida. As imposições para se
alcançar uma felicidade padronizada, idealizada, acabam arrastando a pessoa
para a frustração, culpa, sentimentos de exclusão e impotência. Mais do que
isso, as tentativas de anestesiar e de fugir do sofrimento, impedem que o ser
humano adquira recursos psíquicos para lidar com o desprazer e com a
frustração, o lançando em um ciclo vicioso que infantiliza e inibe a expansão
da vida.
A
teoria psicanalítica nos ensina que o desenvolvimento humano é um caminhar
lento e gradativo em direção a uma convivência cada vez mais suportável com o
sofrimento e o desprazer. O sofrimento se impõe em nossa existência e nos
obriga a crescer, a nos fortalecer e amadurecer. As práticas psicoterapêuticas
devem trabalhar para que o sofrimento possa ser encarado e não evitado ou
anestesiado, sobretudo nos casos em que este é tão insuportável a ponto de
gerar sintomas físicos e psíquicos. É nesse sentido que elas devem se opor ao
imperativo dominante da felicidade imediata e ininterrupta tão propagada pela
nossa cultura do consumo e das drogas, que não oferece nem tempo nem espaço
para as experiências de lutos, fracassos e desprazer.
Como
dizia o poeta: “tristeza não tem fim, felicidade sim...”. Longe de querer
propor uma cultura do sofrimento em oposição ao imperativo da felicidade,
pretende-se apenas que o sofrimento seja tratado com mais respeito e dignidade,
que seja acolhido em nossa existência como parte necessária da própria
concretização da felicidade.
Referências:
FRANCO, O. A civilização
do mal-estar pela não felicidade. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo,
v.23, n. 2, p. 183-192, 2009.
FREUD, S. O mal-estar
na civilização. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud, v. 21. Trad. J. Salomão. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho
original publicado em 1930)
* Aline Sanches é
doutora em filosofia, psicanalista e professora do departamento de psicologia
da UEM.
* Lígia Murassaki
é acadêmica do 2º ano de Psicologia na UEM.
* Nicoli Guerra é
acadêmica do 2º ano de Psicologia na UEM.
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